Importante estar ciente dos custos invisíveis aos quais as empresas brasileiras estão submetidas. A entrevista abaixo, realizada pelo jornalista Luiz Antonio Cintra, do Valor Econômico ajuda a ter uma boa noção a respeito deste problema.
Há 15 anos atuando profissionalmente no direito tributário, o advogado Hugo Funaro, do escritório Dias de Souza Advogados Associados, está acostumado a defender grandes empresas em litígios com o Fisco.
Com departamentos especializados e muitos profissionais dedicados ao emaranhado de leis e normas tributárias, diz Funaro, as companhias brasileiras são obrigadas a despender uma energia fora do comum para se manter atualizadas com todos os tributos, suas brechas e novas interpretações legais. “O Brasil é o país onde mais se gasta tempo para pagar os tributos. São 2,6 mil horas por ano, contra uma média mundial de 264 horas, ou seja, aqui é quase dez vezes mais”, diz Funaro na entrevista a seguir.
Valor: De que maneira o sistema tributário afeta a vida das empresas que operam no Brasil?
Hugo Funaro: É importante contextualizar a questão da carga tributária no Brasil. Hoje temos uma das maiores cargas do mundo, isso já foi dito, avaliada agora pela Receita Federal em 33,47% do PIB. Agora ficou um pouco abaixo da média dos países da OCDE [Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico], de 34,1% do PIB, mas até 2013 era acima da média da OCDE.
Valor: A carga já foi mais alta, não?
Funaro: Sim, agora caiu dois pontos percentuais, o que para o PIB até que é bastante. Isso decorreu principalmente dessas ações de desoneração feitas pelo governo federal, que agora está pagando o preço com esse rombo enorme nas finanças. Então a tendência é que essa carga volte a subir, até porque o governo tem tentado reduzir vários desses incentivos para restabelecer a arrecadação a um nível adequado e cobrir o rombo.
Valor: De qualquer forma lidar com os impostos no Brasil é sempre bastante complicado. Que exemplos o senhor poderia citar sobre essa dificuldade?
Funaro: O Brasil é o país onde mais se gasta tempo para pagar os tributos. São 2,6 mil horas por ano, contra uma média de 264 horas, ou seja, aqui é quase dez vezes mais a média mundial. Isso é um custo invisível enorme para as empresas, gasto para cumprir todas as obrigações tributárias. As empresas têm departamentos especializados para lidar com os impostos. Empresas que atuam no comércio, com atuação nacional, estão sujeitas a 27 legislações de ICMS [Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços], por exemplo. Um estudo do IBPT [Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação] mostra que foram editadas mais de 700 normas legais ao dia no país desde a Constituição de 1988, isso é uma loucura. Por isso, além do custo da carga tributária, temos esses chamados custos de conformidade tributária, tax compliances, que são muito altos. O ambiente é muito difícil para as empresas conseguirem ter uma atuação competitiva, principalmente quando se compara ao que é praticado em outros países.
Valor: Além das desonerações, também houve recentemente mais uma rodada de discussões sobre uma reforma do ICMS. Por que essa reforma não sai nunca?
Funaro: É muito difícil mexer com a questão tributária, sobretudo quando ela envolve os Estados e municípios, como é o caso do ICMS, que embora seja estadual tem uma parcela da receita que é municipal. Como existe o comércio interestadual, muitas vezes nessas reformas se pretende tirar receita de um Estado para levar para outro, o que cria problemas políticos por criar problemas com os governadores que se sentem prejudicados. Mas seria o caso de mexer em três pontos básicos, no caso do ICMS. Primeiro, redução das alíquotas interestaduais. Quando um Estado manda mercadoria para outro, ambos têm parcelas do ICMS. A do Estado de destino é descontada da parcela cobrada no Estado de origem. Quanto maior a alíquota interestadual, mais ganha o Estado de origem e menos ganha o de destino. Com uma baixa alíquota interestadual, quem ganha é o Estado de destino. Quando se mexe na alíquota interestadual, altera-se a balança comercial entre os Estados. E essa interferência gera reclamações de vários lados. Outro ponto é enfrentar a guerra fiscal, os incentivos do ICMS para levar empresas a investir onde não investiriam. E o terceiro ponto são os recursos necessários para o funding da reforma tributária, mas a União, no momento, não tem esses recursos, o que tem emperrado a reforma do ICMS. E, sem a reforma do ICMS, as outras reformas ficam sem o atrativo de simplificar o sistema como um todo.
Valor: Como torná-lo mais simples?
Funaro: No aspecto federal, seria importante unificar o PIS, a Cofins e o salário-educação, para que houvesse uma cobrança mais racional para as empresas. A Cide, dos combustíveis, também entraria, criando um tributo federal só, não cumulativo, que cobriria essas várias incidências. Mas há o receio de haver um aumento da alíquota nessa reforma.
Valor: Que outros caminhos para reduzir o número de horas?
Funaro: Além de reduzir os tributos, seria o caso de reduzir as obrigações acessórias, o tempo gasto no preenchimento de formulários, no envio de informações ao Fisco, o atendimento de fiscalizações etc. Isso requer a informatização, que tem sido feita, tanto nas esferas estaduais como federal. Mas deveria haver uma base única para prestar essas informações.